Poucos acessórios traduzem com tanta força o espírito do tempo quanto a gola rufo. Escultural, rígida e absolutamente dramática, ela é um dos elementos mais emblemáticos da indumentária renascentista, símbolo de poder, status e refinamento. Além disso, sua estrutura circular, plissada com precisão matemática e endurecida com goma, envolve o pescoço de maneira arquitetônica — mais arte vestível do que mera proteção do colarinho.
A Origem da Gola Rufo
O rufo surgiu por volta de meados do século XVI como um discreto babado na gola das camisas. No entanto, como tudo que se aproxima da corte, ganhou sofisticação vertiginosa. Por volta de 1570, já era uma peça separada, feita com metros de cambraia de linho. Era modelada com bastões de madeira e, muitas vezes, sustentada por armações metálicas — os famosos supportasses — que davam volume e estabilidade. Os modelos mais ousados, como o cartwheel ruff, ultrapassavam 30 centímetros de profundidade. Exigiam também postura e manutenção quase teatrais.

Símbolo de Status e Poder
Mais do que um detalhe estético, a gola rufo era uma declaração visual de hierarquia. Era como dizer ao mundo: “Veja como sou importante”. Sua rigidez impedia movimentos bruscos. Isso obrigava o corpo a manter-se ereto, quase estático. Rainhas como Elizabeth I transformaram a peça em assinatura visual. Adornavam-na com renda, pérolas e bordados preciosos. A extravagância chegou a tal ponto que leis sumptuárias foram criadas em Londres para limitar o tamanho e o luxo das golas. Era um esforço da monarquia para conter o desejo crescente da burguesia por distinção.
Evolução e Legado
Durante o século XVII, surgiram variações como o falling ruff, mais suave e caído sobre os ombros, e o oval ruff, mais associado à moda feminina. Entretanto, a peça perdeu espaço para colarinhos mais simples, como jabôs e cravats. Mesmo assim, o rufo nunca desapareceu por completo. De fato, sua presença sobreviveu nos trajes de clérigos dinamarqueses, nos retratos flamengos, no teatro elisabetano e, mais recentemente, nas passarelas de alta-costura.

A Volta Triunfal nas Passarelas
Na última Paris Fashion Week, a gola rufo retornou com força. Chanel trouxe a peça em branco imaculado, contrastando com o preto minimalista do tailleur. Já a Alexander McQueen apresentou uma versão dramática em renda escura. Enquanto isso, a Dior reinterpretou a peça em formas plissadas e texturas de tapeçaria, evocando os retratos flamengos dos séculos XVI e XVII.
Muito além da nostalgia, esse retorno celebra a teatralidade como valor estético contemporâneo. Estilistas como Vivienne Westwood e Valentino já haviam resgatado o rufo como instrumento de subversão. Inclusive, artistas visuais como Maxine Helfman usaram a peça para provocar reflexões sobre raça e poder. Dessa forma, reposicionaram a gola como moldura para o rosto e também para o discurso.


